Ela percebia que nos seus olhos corriam todo o mistério da
simples entrega. Os gestos estavam ali, no passeio do sorriso, em passaporte da
vida...
A simplicidade sempre revela o essencial da genuína partilha.
As complicações são entulhos de alma aprisionada no corpo, que carrega o peso
das frustrações.
Seguir o fluxo do sentir em cada pétala do jardim... A primavera chega com a leveza das cores e cheiros, a se deixar ir ao vento, na
plenitude do voo, numa doce liberdade envolvida de Sol!...
O Fazedor de Amanhecer Sou leso em tratagens com máquina. Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis. Em toda a minha vida só engenhei 3 máquinas Como sejam: Uma pequena manivela para pegar no sono. Um fazedor de amanhecer para usamentos de poetas E um platinado de mandioca para o fordeco do meu irmão. Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias automobilísticas pelo Platinado de Mandioca. Fui aclamado de idiota pela maioria das autoridades na entrega do prêmio. Pelo que fiquei um tanto soberbo. E a glória entronizou-se para sempre em minha existência. Tratado Geral das Gradezas do Ínfimo
A poesia está guardada nas palavras _______ é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e das coisas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. Os Deslimites da Palavra Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades. Não posso mais saber quando amanheço ontem. Está rengo de mim o amanhecer. Ouço o tamanho oblíquo de uma folha. Atrás do ocaso fervem os insetos. Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino. Essas coisas me mudam para cisco. A minha independência tem algemas
A minha homenagem a este fazedor de amanhecer, o Poeta Passarinho que deve estar colorindo as eternidades com a sua mágica poética. Voa grande Poeta, daqui acompanhamos o voo... Suzete Brainer (Direitos autorais registrados) Imagem do Google Poesia do Mestre Poeta Manoel de Barros.
Amanhã, mais um dia, um ano e a tua ausência tão disfarçada de presença... Aquele teu olhar a acolher a todos com a suavidade de um abraço protetor. Sim, mãe, tu abraçavas com o olhar; um olhar de unidade de alma, e como eu viajava na segurança do teu olhar que dizia sempre: - “Estou com você em todos os lugares e situações, a vida não é fácil e nem difícil, a vida é um desafio que precisa do amor para decifrar os caminhos com mais facilidade...”
Quero este teu olhar dentro do meu, a caminhar pela vida nas suas curvas e abismos.
Tenho este teu amor guardado em mim, e tudo levita quando penso na tua filosofia simples de vida, que colhia os mistérios no jardim do silêncio do olhar. O teu silêncio ensinava a dignidade de respeitar as singularidades humanas, numa igualdade fraterna de sentir o mundo!... Sei, mãe, que estamos sempre juntas... O caminhar da vida impulsiona-me a aplicar teus ensinamentos. Diariamente me encanto com a força suave e constante deste nosso amor!
À minha mãe, Hilda.
Viva Hilda Brainer!
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados) Imagem: Obra de Alexei Antonov.
Lembrou-me de um cão preto, com uma mancha branca que mais
parecia uma gravata. Ele se afeiçoou somente a minha mãe, devido à semelhança
física com a sua antiga dona, que falecera de um trágico acidente de carro. Minha
mãe, que não gostava de criar animais domésticos, e sempre recusava as minhas solicitações
de levar para casa um animalzinho para eu criar. Nunca permitia. Só me deixou
criar um cágado jabuti, e posteriormente um cão, depois do seu gesto de solidariedade
com o cão Pop. Com a morte da sua dona, Pop não queria mais comer, ficou mais agressivo com todos da família e
mordia quem se aproximasse dele.
Minha mãe ficou encantada com adoração que o cão Pop demonstrou
para com ela, desde o primeiro contato. Ela anotou todas as manias (mimos) que
a dona de Pop lhe proporcionava. E claro, com a sua mania de perfeição,
proporcionou mais mordomias de alimentação caprichada para o Pop, a minha mãe
sempre foi uma talentosa e excelente cozinheira, a sua comida era tão deliciosa
que ninguém resistia aos banquetes oferecidos por ela. O meu pai questionava
aquela solidariedade da minha mãe para com o Pop, uma vez que o mesmo com
tamanha agressividade, causaria transtornos à nossa
família, menos para minha mãe, uma deusa para ele...
Tínhamos um vizinho, um capitão aposentado por cegueira
decorrente da participação na guerra. Era um bom contador de histórias. Muito austero e, por isso, considerado antissocial. Fez amizade com os meus pais, adorava os
lanches feitos por minha mãe, e gostava muito de mim, por ser boa ouvinte das suas histórias e dos meus questionamentos,
fazendo perguntas que o deixava encantado. Porém, ele era racista - um grande
defeito dele. Todos nós o censurávamos (em
sua presença), por este tipo de conduta. Ele e o Pop foram ódio à primeira
vista e em todos os encontros. O Pop era preso no quintal a uma distancia
grande, porém emitia latidos constantes e agressivos para o capitão, que sempre
ficava no terraço da casa. Durante a
semana, pelas manhãs, o Pop ficava solto em casa com a minha mãe, quando todos
da família estavam fora; meu pai no trabalho, meu irmão na faculdade, eu e
minha irmã na escola.
O capitão Menezes, assim como o Pop, não era popular. E quase
todos do bairro gostavam de manter uma distância regulamentar sobre eles: em
relação ao capitão, devido ao seu jeito temperamental. Com relação ao Pop, por
conta da sua agressividade. Mas, entre mim, uma menina encantada com as
histórias contadas e inventadas por minha avó, e o capitão também contador de
histórias - ele tinha um hábito da leitura de grandes romances da alta
literatura e, depois da cegueira, ficou a conviver com o arquivo dos universos mágico-literários
dentro de si - existia uma sintonia na partilha desta arte, do contador e da
ouvinte. Para ele, as minhas perguntas alimentavam a sua fabrica de imaginação
e com isso novos enredos, novos personagens e novos finais aconteciam perante
os nossos olhos da alma, ávida de fantasia. Uma vez a minha mãe se referiu ao
capitão como “mentiroso” e eu de imediato a recriminei, corrigindo-a que o capitão
não era mentiroso, ele era contador e inventor de histórias. A minha mãe com
seu jeito irônico, me respondeu que eu tinha acabado de inventar um novo nome para o mentiroso.
Foi o capitão também que rebatizou o meu cágado de nome “Cometa”
para “Fittipaldi”, de quem ele era fã, acompanhando as corridas de fórmula um. Com
o seu gênio explosivo, também odiava quando o seu ídolo perdia. Por vingança, nomeou o meu cágado com nome do
piloto, numa irônica homenagem. Lembro-me da sua frase: “Suzete, o Fittipaldi
daqui tá melhor do que o Fittipaldi nas pistas, eu aposto no daqui!”.
Excepcionalmente, teve um sábado que nós (eu e minha irmã)
saímos com meu pai, meu irmão foi para a casa da namorada. Minha mãe, sozinha
em casa, soltou o rabugento e singular Pop. O capitão entrou com aquela voz
grave e alta no terraço, o Pop pegou na sua canela, com todo gosto de vingança,
e ele a meter a bengala no Pop. Minha mãe chama o Pop, que a obedece como um
cordeirinho...
Foi um encontro explosivo, agressivo e destrutivo para ambos.
O capitão ficou com uma tatuagem na canela e tomou vacina anti-raiva, mesmo o Pop sendo vacinado. Mas, a raiva dele
nutrida pelo capitão, por segurança, imaginamos que a raiva “emocional” do Pop
tivesse um veneno fatal. O prejuízo sofrido por Pop foi também grave: ele teve
um derrame no olho que levou a bengalada do capitão. Por cuidados e mimos da
minha mãe, ele não perdeu a visão desse olho. Todos em casa fizeram campanha
para minha mãe dar o Pop a outra pessoa; argumentando que o cão era violento e
desequilibrado. Todos mostravam a minha mãe, pequenas marcas de mordidas do Pop
e o meu pai, que tinha muita raiva dele, pois o cão nutria tanto ciúmes da
minha mãe, que às vezes de longe não parava de latir para meu pai, quando ele
se aproximava dela.
Confesso que o Pop era muito estranho, mas nunca fui mordida
por ele. Comovia-me aquela adoração dele por minha mãe. E também o fato de
minha mãe ter sido solidária com o mesmo amor que a sua antiga dona lhe
dedicara. E assumido a responsabilidade
sobre o Pop; aquela criaturinha rabugenta, agressiva e com a capacidade de amar
uma única pessoa.
Esta história do Pop na minha infância, fez-me retornar à minha gata Chanel; uma gata
também preta, vira-lata, que foi um dos maiores amores que tive na vida. Neste
momento faço a ligação de semelhanças dela com o Pop, só que a Chanel era
agressiva exclusivamente com o meu outro gato siamês, o Shan. Não aceitava que eu partilhasse a minha
atenção com o Shan. A experiência de amor com animais são repletas de uma
doação do amor incondicional, o amor da aceitação que vem da poesia dos
gestos!...