A memória abriu a porta e me levou a um período em que morei
numa casa duplex num privê de dez casas, com uma bela área verde de lazer, onde eu gostava de preservar aquele verde com árvores antigas e, na minha casa, muitas plantas.
Na varanda do primeiro andar eu tinha vários depósitos para os beija-flores e
outros passarinhos (a beber aquela água doce, trocada com o maior carinho e
limpeza), de todas as cores e tamanhos a colorir em vida a minha
varanda. Eu tinha o meu gato Shan (filhote ainda) que ficava a olhar todos através do
vidro da janela do meu quarto. Era o seu vídeo game e, para mim, um encontro
com cada um que tinha nome e sobrenome, dado pelo meu olhar atento e alegre, de
me sentir privilegiada com tanta beleza voando para minha casa, como se casa
deles fosse.
Existia no privê um grupo de seis meninos; o mais velho, de oito anos, liderava os menores, na faixa de 7 anos. Estavam naquela fase de
agressividade com a natureza, os animais e numa autoafirmação do contra. Eles não
gostavam da minha veneração amorosa à natureza.
Um dia fizeram uma "serenata" com música e letra de protesto contra a
natureza bem abaixo da minha varanda, com coreografia e
tudo, cada um com baleadeira na mão e o líder com o violão, cantavam e todos apontavam as suas armas de matar passarinho para minha
varanda:
"Vamos acabar com a natureza;
Vamos matar os passarinhos,
Vamos destruir os seus ninhos
E sem mãe natureza.
Fora os passarinhos
Fora os passarinhos
Fora os passarinhos
E sem ninhos...!”
Eu a escutar e morrer de rir, com aquela criatividade rebelde
deles. Como eles não sabiam a minha reação, por conta do meu silêncio, falarem
de fora: “Ela não fez nada. Não disse nada. Será que ela não está em casa?” Quando
resolvi abri a porta, escutei de longe a gritaria deles: ”Ela abriu a porta e
vem em nossa direção!”.
Aproximei-me deles e disse: - Meninos, sentem aqui e vamos
conversar!- Eles se aproximaram devagar, e cada um falava uma frase ao mesmo
tempo, numa confusão a dissolver o silêncio no breve espaço pacifico... O líder me
disse: “Você veio brigar com a gente por nossa música e vai reclamar aos nossos
pais pelo nosso comportamento?” E eu com a minha voz calma a lhe dizer que gostaria
de dialogar com eles. E, eles a olharem entre si, sentaram perto de mim. Conversamos
por varias horas, e falei da criatividade deles com a música, letra e
coreografia. Depois a importância de amar a natureza e conviver bem com ela,
pois ela nos ensina se tivemos a capacidade de olhar para cada detalhe belo e
generoso que ela nos oferece todos os dias...
No final estávamos a observar os passarinhos, da minha varanda, e quando o líder me disse: “ Su, como faço outra música para a natureza, como
faço as pazes com ela?” E eu lhe respondi: - Você já fez as pazes com a natureza, a música
vai chegar e será muito bela!...-
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Arsen Kurbanov