Estou eu aqui novamente voltando para a minha infância, mas
coleciono algumas histórias boas de serem contadas, talvez não escreva tão bem
como as tenho guardadas na minha caixa de histórias. Esta caixa foi presenteada
pela minha avó. Quem teve uma avó contadora de histórias, fica com os olhos a brilhar
na luz da imaginação...
A minha avó tem muita responsabilidade pela minha alegria de
criança e também por sempre gostar de saber como tudo funcionava, antes de
escurecer as repostas, sempre tinha as perguntas que não calavam o final sem propósito.
Qualquer experiência nova ou lugar novo, sempre vinha com as
minhas perguntas, para desagrado dos adultos que não gostavam de responder e nem
de pensar.
Assim começou a tragicomédia das minhas idas aos dentistas. Minha
mãe levando a mim e minha irmã, sem nada dizer para quê e o que fazer lá. A minha
irmã (mais velha dois anos), entrava primeiro na sala; aquele silêncio absoluto
e, depois de certo tempo, ela saia com um lenço na boca, acompanhado de um
olhar triste e quando eu falava com ela, não podia responder por conta da anestesia.
A minha mãe com um sorriso discreto e
voz autoritária, dizia que era a minha vez de entrar, e ali, percebi que o
ambiente era deveras desagradável. Fui sentada naquela cadeira cheia de mistérios
ligados a experiências dolorosas que eu não estava nem um pouco receptiva para vivenciá-las.
Com toda a minha rapidez de observação, analisei as minhas armas de defesas. Começava o espetáculo: gritei, mordi o dedo da
minha mãe, chutei a barriga do dentista e fugi da cadeira misteriosa, identificada como perigo à vista. Nos meus 6 para 7 anos, tinha uma força de não
aceitar o que me era imposto e desagradável; sendo os motivos explicados e com carinho, tudo acabava bem. Mas, não
suportava mentiras, se me contassem alguma mentira para me convencer, era a certeza
de que eu não seria uma cordeirinha obediente.
Depois de um mês fomos levadas para outro consultório de
dentista e desta vez, a minha mãe, aconselhada por alguém, inventou uma história para me convencer. Ela não escutou a minha avó que dizia: fale a
verdade para Suzete, diga com jeitinho e tudo ocorrerá bem. Eu, toda alegre, pensando
que ia para o cinema e tomar sorvete depois do filme. O filme era o encontro
com a tal cadeira e o dentista, e desta vez, foi traumático: fui anestesiada, mas não deixei o dentista concluir o procedimento; fiz o meu espetáculo com chutes, gritos e fuga para a sala de espera, e lá, todas as crianças fizeram coro comigo no choro e
na gritaria.
Noutro dia, pela manhã, a minha mãe querendo saber o motivo
daquele meu comportamento, já que nunca tinha me comportado daquele jeito. Eu questionei
as mentiras e voltei a querer saber qual a razão de aceitar ir para um lugar
ruim daquele, ela disse que era para saúde e eu perguntei por que tem que
sentir dor, para ficar com saúde nos meus dentes? Ela nada respondeu.
Meu irmão, (mais velho 8 anos), disse que ia me levar a uma dentista
maravilhosa - ele tinha motivos bem específicos: queria namorar com a jovem
dentista. Minha mãe disse: é melhor eu ir junto ou com sua irmã, pois Suzete pode manisfestar um comportamento desobediente e ele, muito confiante, disse que com ele
seria diferente. Prometeu sorvete no final, mas não contou nenhuma mentira
sobre o local. Fui sabendo que era dentista, mas não esperava sentir medo da
tal cadeira “perigo” e aconteceu. Desta vez, a dentista bem calma, disse que não
ia fazer nada e me liberou. Aconselhou uma professora dela e deu o endereço do
seu consultório para meu irmão. Na despendida, eu com lágrimas perduradas nos
olhos, lhe pedi desculpa, por me comportar mal, já que meu irmão queria namorar
com ela, e todos ficaram rindo, o meu irmão olhou para mim com censura. Pedi o
sorvete, ele negou e depois me levou para sorveteria perto do
consultório. Quando estávamos lá, chegou a assistente da dentista com recado
para meu irmão, ele todo animado, olhou para mim disse: quer mais sorvete ? Eu, de
imediato, pedi outro de chocolate.
Fui para dentista recomendada, com a minha mãe, e ela toda
preocupada com o meu comportamento. Quanto entro no consultório, localizo a
cadeira “perigo”, mas a dentista (uma senhora simpática), me chama para sentar
no sofá, de costas para cadeira “perigo”. Pergunta-me se gosto de conversar, eu
digo que sim. Ela, de forma muito gentil, me diz que eu sou uma menina linda,
meiga e magrinha, e não consegue acreditar no que a minha mãe relatou sobre o
meu comportamento. Com um jeito bem engraçado, ela me diz:”É exagero da mamãe,
né?”. Eu lhe digo que é tudo verdade, fiz aquilo tudo mesmo. Ela me diz de
forma mais engraçada ainda: ”Por acaso, quando você crescer será lutadora?”. Eu
neguei com o gesto da cabeça. E, antes que ela me fizesse mais uma pergunta,
afinal eu que gosto de perguntar, lhe disse que não gosto de mentiras e fui
enganada sobre ir ao dentista. Ela olhou para mim, dizendo que apreciava muito meninas que não gostavam de mentiras e que, como
eu gostava de saber como tudo funcionava, ela responderia às minhas perguntas
todas. Eu fiz todas as perguntas sobre cada coisa da cadeira “perigo” e depois
me sentei sozinha e disse, podemos começar o tratamento. A dentista fez um
acordo comigo: todo o instrumento que ela ia utilizar me dizia o nome e a função do mesmo, e também, qualquer dor que eu sentisse, apertava o seu braço e ela parava. Depois de
horas com ela, sai de mãos dadas, e para surpresa da minha mãe, com o tratamento
concluído. Ela deu os parabéns para minha mãe, pela filha educada, inteligente e
corajosa. Minha mãe pegou a minha mão e deu um beijo na minha testa. E eu disse: A Doutora Lourdes falou para a senhora comprar sorvete para mim. Quero só
de chocolate para a menina mais corajosa do mundo!... A minha mãe com aquela voz
sorridente e autoritária: ’’A menina mais corajosa do mundo depois que tomar o sorvete,
escova os dentes e vai sempre ao dentista quando precisar, certo?”. E respondi: “Claro
que sim, já sei como tudo funciona, Mainha!” E perguntei: “O medo é quando a
gente não conhece , se for explicado, melhora, porque a senhora não explica
antes? Ela resmungando e caminhando, “Ah, Suzete!...”
O método autoritário da minha mãe educar, sempre veio preenchido de amor e proteção; ela tinha um zelo de cuidar e uma sensibilidade intuitiva de sentir, por um filho, tudo o que se passava dentro dele. Muito antes da sua morte, ela conversou comigo e disse: "Minha filha, se eu tivesse mais instrução, tinha educado com mais carinho; imaginava que precisava ser durona para que cada um de vocês seguissem um caminho bom, e graça a deus, são todos formados e bem encaminhados na vida. Você, uma menina linda, sensível e uma inteligência! E com este nariz arrebitado de só fazer o que fosse explicado!...rss". Respondi para ela que a sua educação dada a nós, seus filhos, era a melhor riqueza que tivemos e, com esta educação, sempre soubemos nos posicionar na vida e valorizar o amor, nos gestos de gentileza, solidariedade e sensibilidade humana. Ainda disse: A senhora é a melhor mãe do mundo! Ela me abraçou e ficamos no silêncio, entre lágrimas!...
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Alex Alemany.
O método autoritário da minha mãe educar, sempre veio preenchido de amor e proteção; ela tinha um zelo de cuidar e uma sensibilidade intuitiva de sentir, por um filho, tudo o que se passava dentro dele. Muito antes da sua morte, ela conversou comigo e disse: "Minha filha, se eu tivesse mais instrução, tinha educado com mais carinho; imaginava que precisava ser durona para que cada um de vocês seguissem um caminho bom, e graça a deus, são todos formados e bem encaminhados na vida. Você, uma menina linda, sensível e uma inteligência! E com este nariz arrebitado de só fazer o que fosse explicado!...rss". Respondi para ela que a sua educação dada a nós, seus filhos, era a melhor riqueza que tivemos e, com esta educação, sempre soubemos nos posicionar na vida e valorizar o amor, nos gestos de gentileza, solidariedade e sensibilidade humana. Ainda disse: A senhora é a melhor mãe do mundo! Ela me abraçou e ficamos no silêncio, entre lágrimas!...
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Alex Alemany.
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ResponderExcluirHelena,
ExcluirLamento, por um equívoco foi eliminado o conteúdo
do seu comentário,a sua partilha de lembrança
do mesmo assunto.
Agradeço a sua gentil presença.
Votos de um feliz feriado para você
e família, querida.
Beijo e abraço de paz.
ResponderExcluirNum texto assim tão íntimo e belo, qualquer “intromissão exterior” pode inadvertidamente macular a sua vibração delicada...
Mas atrevo-me a dizer o seguinte : para além do “retrato” da irrequieta e ladina menina, que é hoje a talentosa poetisa que admiramos, o texto levanta questões de grande pertinência, porventura para além da intenção da escritora (ou não), como sejam os métodos pedagógicos utilizados (o culto da verdade) na educação da crianças, bem como a “décalage” dos métodos pedagógicos em função dos estratos sociais.
Não cabe no âmbito de um comentário aprofundar estas questões. Oxalá que a escritora, com a inteligência e sensibilidade, que lhe reconhecemos nos possa, um dia presentear , escrevendo sobre o tema (com base ou não) nas suas memórias de menina.
Grato pela partilha.
Beijo
Muito obrigada, meu querido Amigo!!
ExcluirO teu belíssimo e profundo comentário com a generosidade
do teu olhar de amigo, me comoveu, viu?...rss
Beijo e abraço neste teu grande coração Poeta!
Oi Su!
ResponderExcluirAdorei esta tua belíssima crônica, o teu talento de
escritora é inquestionável, poucos conseguiriam uma
narrativa encantadora assim. Já te disse várias vezes,
que o teu tom, é do encantamento no discurso descritivo
e o fato de tu seres também uma excelente e original
Poeta, o teu texto tem uma riqueza nas imagens, cenas,
na linguagem e com a sabedoria de um ensinamento
filosófico e até didático não intencional.
Concordo com o comentário anterior do heretico:
"Qualquer intromissão exterior pode inadvertidamente
macular a sua vibração delicada", o texto é muito
belo e singular.
Também adorei dar umas boas risadas com a tua aventura
de uma "cordeirinha nada obediente"!...rss
Grata pela partilha neste feriado, minha querida Amiga!
Beijos e aquele abraço saudoso de alma para alma!
Nara.
Ps:Sim, a imagem é linda e bela homenagem para tua mãe,
a tua mãe foi e é em lembranças vivas, uma adorável
mulher e mãe educadora.
Minha querida Amiga,
ExcluirSem palavras para este teu olhar generoso,
a tua presença aqui é um carinho de irmandade
rara e guardo como preciosidade única dentro
da minha alma!...
Sim sou cordeirinha, mas as vezes cordeirinha
rebelde que luta!...rss
Tu conheceste a minha mãe e sabes que era daquelas
pessoas adoradas por todos...
Muito obrigada, Narinha.
Beijos e abraço grato nesta tua alma luminosa!
Não confiar nos pais pode ser uma tragédia em muitas situações, tal como a que viveu em criança no dentista.
ResponderExcluirUma bela história da vida real, gostei imenso.
Suzete, tem um bom fim de semana.
Beijo.
Caro amigo Jaime,
ExcluirNão vivi nenhuma tragédia, pois sempre fui acompanhada
do amor da minha mãe e família. Naquela época e até hoje,
sou a mais corajosa e não tenho nenhum medo de tratamento
dentário. Acredito que o mais importante para uma criança
é ser amada, sentir o afeto dos pais. Hoje, vejo muitos
pais que dão tudo e pouco afeto e atenção.
Muito obrigada pela tua presença aqui e sempre
na partilha literária desde o começo do meu blog..rss
Bom fim de semana, Poeta!
Beijo.
Pois eu já vejo uma riqueza enorme nesse texto magnífico! Tudo certo, sua mãe deu o melhor dela, você seguiu seus sentimentos, queria a verdade acima de tudo. No meu ver, ninguém esteve errado, a vida não é igual para todos; as pessoas são diferentes, têm sentimentos e visões diferentes. Você foi magnífica dentro da sua lógica, da sua formação. Sua mãe tentou acertar passando força aos filhos. Na minha ótica não há culpas e no final, querida amiga, você não me poupou!! E chorei. Texto de muito amor, de 'reencontro', principalmente na hora mais difícil de nossa vida... a última. Você foi de um sentimento e de uma psicologia com sua mãe própria dos grandes corações. Esse seu texto deveria ser enviado para muitas pessoas que só culpam os pais pela educação recebida. Mas vejo, peso, examino como foram educados nossos pais? Tenho horror a colocar culpas, muitas vezes deixamos de ver o outro lado.
ResponderExcluirTambém sempre tive problemas com dentistas, e já sou bem grandinha em superar os traumas, mas não culpo minha mãe. Qual teria sido os problemas de minha mãe?
Beijo grande no seu coração.
Querida amiga, deixo aqui pra você ler numa horinha de folga... (MEDO DE DENTISTA).
Excluirhttp://taisluso.blogspot.com.br/2011/08/medo-de-dentista.html
Querida Taís,
ExcluirVocê me comoveu com este belíssimo, generoso e
sábio comentário. Você deve avaliar o quanto é
valoroso para quem escreve ser compreendido.
Você, como grande cronista que é, é precioso
para mim esta sua leitura, querida Amiga!
Beijo grande no seu belo coração!
Irei com calma ler esta sua crônica e comentar
Excluirno seu espaço de arte, minha querida.
Mais uma vez, muito obrigada pela sua visita
aqui, foi muito especial para mim, viu?...rss
Desencontros e encontros, polvilhados de ternura...
ResponderExcluirGostei desse abrir de alma, Suzete.
Um beijinho :)
Desencontros e encontros, polvilhados de ternura...
ResponderExcluirGostei desse abrir de alma, Suzete.
Um beijinho :)
Suzete , sua delicada descrição das visitas aos dentistas me deixou encantada . Somos aquarianas mas não tenho sua coragem , rs,rs,
ResponderExcluirDesde menina , morro de medo de ir a uma consulta dentária . Me emocionei com as declarações de sua mãe e com sua confissão de amor . Obrigada pela partilha . Beijos , amiga .
Emocionei-me na parte final da narrativa. Como entendo o que a tua mãe te disse!
ResponderExcluirQuanto à narrativa: acho que já te disse que a tua avó possuía um dom natural, talvez pela sua sensibilidade. Além disso era também pedagoga, na forma como te levava à descoberta... Felizmente que encontraste outra grande pedagoga para perder esse medo. Eu só consegui enfrentar o dentista já bem adulta, pois os dentista de cá eram mesmo uns carniceiros. Já o meu filho, com 36 anos, vai naturalmente aos dentista desde os 5 anos.
Parabéns, Suzete, por mais um belo e ternurento relato.
Bjo :)
Estou de regresso.
ResponderExcluirLi há um tempo e pelo que vejo não comentei.
Achei adoravelmente terno, este recordar.
Bj.