sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Menina que Gostava de Perguntar, Mas Não Gostava de Mentiras.












Estou eu aqui novamente voltando para a minha infância, mas coleciono algumas histórias boas de serem contadas, talvez não escreva tão bem como as tenho guardadas na minha caixa de histórias. Esta caixa foi presenteada pela minha avó. Quem teve uma avó contadora de histórias, fica com os olhos a brilhar na luz da imaginação...

A minha avó tem muita responsabilidade pela minha alegria de criança e também por sempre gostar de saber como tudo funcionava, antes de escurecer as repostas, sempre tinha as  perguntas que não calavam o final sem propósito.

Qualquer experiência nova ou lugar novo, sempre vinha com as minhas perguntas, para desagrado dos adultos que não gostavam de responder e nem de pensar.

Assim começou a tragicomédia das minhas idas aos dentistas. Minha mãe levando a mim e minha irmã, sem nada dizer para quê e o que fazer lá. A minha irmã (mais velha dois anos), entrava primeiro na sala; aquele silêncio absoluto e, depois de certo tempo, ela saia com um lenço na boca, acompanhado de um olhar triste e quando eu falava com ela, não podia responder por conta da anestesia.  A minha mãe com um sorriso discreto e voz autoritária, dizia que era a minha vez de entrar, e ali, percebi que o ambiente era deveras desagradável. Fui sentada naquela cadeira cheia de mistérios ligados a experiências dolorosas que eu não estava nem um pouco receptiva para vivenciá-las. Com toda a minha rapidez de observação, analisei as minhas armas de defesas.  Começava o espetáculo: gritei, mordi o dedo da minha mãe, chutei a barriga do dentista e fugi da cadeira misteriosa, identificada como perigo à vista. Nos meus 6 para 7 anos, tinha uma força de não aceitar  o que me era imposto e desagradável; sendo os motivos explicados e com carinho, tudo acabava bem. Mas, não suportava mentiras, se me contassem alguma mentira para me convencer, era a certeza de que eu não seria uma cordeirinha obediente.

Depois de um mês fomos levadas para outro consultório de dentista e desta vez, a minha mãe, aconselhada por alguém, inventou uma história para me convencer. Ela não escutou a minha avó que dizia: fale a verdade para Suzete, diga com jeitinho e tudo ocorrerá bem. Eu, toda alegre, pensando que ia para o cinema e tomar sorvete depois do filme. O filme era o encontro com a tal cadeira e o dentista, e desta vez, foi traumático: fui anestesiada, mas  não deixei o dentista concluir o procedimento; fiz o meu espetáculo com chutes, gritos e fuga para a sala de espera, e lá, todas as crianças fizeram coro comigo no choro e na gritaria.

Noutro dia, pela manhã, a minha mãe querendo saber o motivo daquele meu comportamento, já que nunca tinha me comportado daquele jeito. Eu questionei as mentiras e voltei a querer saber qual a razão de aceitar ir para um lugar ruim daquele, ela disse que era para saúde e eu perguntei por que tem que sentir dor, para ficar com saúde nos meus dentes? Ela nada respondeu.

Meu irmão, (mais velho 8 anos), disse que ia me levar a uma dentista maravilhosa - ele tinha motivos bem específicos: queria namorar com a jovem dentista. Minha mãe disse: é melhor eu ir junto ou com sua irmã, pois Suzete pode manisfestar um comportamento desobediente e ele, muito confiante, disse que com ele seria diferente. Prometeu sorvete no final, mas não contou nenhuma mentira sobre o local. Fui sabendo que era dentista, mas não esperava sentir medo da tal cadeira “perigo” e aconteceu. Desta vez, a dentista bem calma, disse que não ia fazer nada e me liberou. Aconselhou uma professora dela e deu o endereço do seu consultório para meu irmão. Na despendida, eu com lágrimas perduradas nos olhos, lhe pedi desculpa, por me comportar mal, já que meu irmão queria namorar com ela, e todos ficaram rindo,  o meu irmão olhou para mim com censura. Pedi o sorvete, ele  negou e depois me levou para sorveteria perto do consultório. Quando estávamos lá, chegou a assistente da dentista com recado para meu irmão, ele todo animado, olhou para mim disse: quer mais sorvete ? Eu, de imediato, pedi outro de chocolate. 


Fui para dentista recomendada, com a minha mãe, e ela toda preocupada com o meu comportamento. Quanto entro no consultório, localizo a cadeira “perigo”, mas a dentista (uma senhora simpática), me chama para sentar no sofá, de costas para cadeira “perigo”. Pergunta-me se gosto de conversar, eu digo que sim. Ela, de forma muito gentil, me diz que eu sou uma menina linda, meiga e magrinha, e não consegue acreditar no que a minha mãe relatou sobre o meu comportamento. Com um jeito bem engraçado, ela me diz:”É exagero da mamãe, né?”. Eu lhe digo que é tudo verdade, fiz aquilo tudo mesmo. Ela me diz de forma mais engraçada ainda: ”Por acaso, quando você crescer será lutadora?”. Eu neguei com o gesto da cabeça. E, antes que ela me fizesse mais uma pergunta, afinal eu que gosto de perguntar, lhe disse que não gosto de mentiras e fui enganada sobre ir ao dentista. Ela olhou para mim, dizendo que apreciava muito  meninas que não gostavam de mentiras e que, como eu gostava de saber como tudo funcionava, ela responderia às minhas perguntas todas. Eu fiz todas as perguntas sobre cada coisa da cadeira “perigo” e depois me sentei sozinha e disse, podemos começar o tratamento. A dentista fez um acordo comigo: todo o instrumento que ela ia utilizar me dizia o nome e a função do mesmo, e também, qualquer dor que eu sentisse, apertava o seu braço e ela parava. Depois de horas com ela, sai de mãos dadas, e para surpresa da minha mãe, com o tratamento concluído. Ela deu os parabéns para minha mãe, pela filha educada, inteligente e corajosa. Minha mãe pegou a minha mão e deu um beijo na minha testa. E eu disse: A Doutora Lourdes falou para a senhora comprar sorvete para mim. Quero só de chocolate para a menina mais corajosa do mundo!... A minha mãe com aquela voz sorridente e autoritária: ’’A menina mais corajosa do mundo depois que tomar o sorvete, escova os dentes e vai sempre ao dentista quando precisar, certo?”. E respondi: “Claro que sim, já sei como tudo funciona, Mainha!” E perguntei: “O medo é quando a gente não conhece , se for explicado, melhora, porque a senhora não explica antes? Ela resmungando e caminhando, “Ah, Suzete!...”


método autoritário da minha mãe educar, sempre veio preenchido de amor e proteção; ela tinha um zelo de cuidar e uma sensibilidade intuitiva de sentir, por um filho, tudo o que se passava dentro dele. Muito antes da sua morte, ela conversou comigo e disse: "Minha filha, se eu tivesse mais instrução, tinha educado com mais carinho; imaginava que precisava ser durona para que cada um de vocês seguissem um caminho bom, e graça a deus, são todos formados e bem encaminhados na vida. Você, uma menina linda, sensível e uma inteligência! E com este nariz arrebitado de só fazer o que fosse explicado!...rss".  Respondi para ela que a sua educação dada a nós, seus filhos, era a melhor riqueza que tivemos e, com esta educação, sempre soubemos nos posicionar na vida e valorizar o amor,  nos gestos de gentileza, solidariedade e sensibilidade humana. Ainda disse: A senhora é a melhor mãe do mundo! Ela me abraçou e ficamos no silêncio, entre lágrimas!... 



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Alex Alemany.





17 comentários:

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    1. Helena,

      Lamento, por um equívoco foi eliminado o conteúdo
      do seu comentário,a sua partilha de lembrança
      do mesmo assunto.

      Agradeço a sua gentil presença.

      Votos de um feliz feriado para você
      e família, querida.
      Beijo e abraço de paz.


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  2. Num texto assim tão íntimo e belo, qualquer “intromissão exterior” pode inadvertidamente macular a sua vibração delicada...

    Mas atrevo-me a dizer o seguinte : para além do “retrato” da irrequieta e ladina menina, que é hoje a talentosa poetisa que admiramos, o texto levanta questões de grande pertinência, porventura para além da intenção da escritora (ou não), como sejam os métodos pedagógicos utilizados (o culto da verdade) na educação da crianças, bem como a “décalage” dos métodos pedagógicos em função dos estratos sociais.

    Não cabe no âmbito de um comentário aprofundar estas questões. Oxalá que a escritora, com a inteligência e sensibilidade, que lhe reconhecemos nos possa, um dia presentear , escrevendo sobre o tema (com base ou não) nas suas memórias de menina.

    Grato pela partilha.

    Beijo


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    1. Muito obrigada, meu querido Amigo!!

      O teu belíssimo e profundo comentário com a generosidade
      do teu olhar de amigo, me comoveu, viu?...rss
      Beijo e abraço neste teu grande coração Poeta!

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  3. Oi Su!

    Adorei esta tua belíssima crônica, o teu talento de
    escritora é inquestionável, poucos conseguiriam uma
    narrativa encantadora assim. Já te disse várias vezes,
    que o teu tom, é do encantamento no discurso descritivo
    e o fato de tu seres também uma excelente e original
    Poeta, o teu texto tem uma riqueza nas imagens, cenas,
    na linguagem e com a sabedoria de um ensinamento
    filosófico e até didático não intencional.
    Concordo com o comentário anterior do heretico:
    "Qualquer intromissão exterior pode inadvertidamente
    macular a sua vibração delicada", o texto é muito
    belo e singular.
    Também adorei dar umas boas risadas com a tua aventura
    de uma "cordeirinha nada obediente"!...rss
    Grata pela partilha neste feriado, minha querida Amiga!
    Beijos e aquele abraço saudoso de alma para alma!
    Nara.

    Ps:Sim, a imagem é linda e bela homenagem para tua mãe,
    a tua mãe foi e é em lembranças vivas, uma adorável
    mulher e mãe educadora.

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    1. Minha querida Amiga,

      Sem palavras para este teu olhar generoso,
      a tua presença aqui é um carinho de irmandade
      rara e guardo como preciosidade única dentro
      da minha alma!...
      Sim sou cordeirinha, mas as vezes cordeirinha
      rebelde que luta!...rss
      Tu conheceste a minha mãe e sabes que era daquelas
      pessoas adoradas por todos...
      Muito obrigada, Narinha.
      Beijos e abraço grato nesta tua alma luminosa!

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  4. Não confiar nos pais pode ser uma tragédia em muitas situações, tal como a que viveu em criança no dentista.
    Uma bela história da vida real, gostei imenso.
    Suzete, tem um bom fim de semana.
    Beijo.

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    1. Caro amigo Jaime,

      Não vivi nenhuma tragédia, pois sempre fui acompanhada
      do amor da minha mãe e família. Naquela época e até hoje,
      sou a mais corajosa e não tenho nenhum medo de tratamento
      dentário. Acredito que o mais importante para uma criança
      é ser amada, sentir o afeto dos pais. Hoje, vejo muitos
      pais que dão tudo e pouco afeto e atenção.
      Muito obrigada pela tua presença aqui e sempre
      na partilha literária desde o começo do meu blog..rss
      Bom fim de semana, Poeta!
      Beijo.

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  5. Pois eu já vejo uma riqueza enorme nesse texto magnífico! Tudo certo, sua mãe deu o melhor dela, você seguiu seus sentimentos, queria a verdade acima de tudo. No meu ver, ninguém esteve errado, a vida não é igual para todos; as pessoas são diferentes, têm sentimentos e visões diferentes. Você foi magnífica dentro da sua lógica, da sua formação. Sua mãe tentou acertar passando força aos filhos. Na minha ótica não há culpas e no final, querida amiga, você não me poupou!! E chorei. Texto de muito amor, de 'reencontro', principalmente na hora mais difícil de nossa vida... a última. Você foi de um sentimento e de uma psicologia com sua mãe própria dos grandes corações. Esse seu texto deveria ser enviado para muitas pessoas que só culpam os pais pela educação recebida. Mas vejo, peso, examino como foram educados nossos pais? Tenho horror a colocar culpas, muitas vezes deixamos de ver o outro lado.

    Também sempre tive problemas com dentistas, e já sou bem grandinha em superar os traumas, mas não culpo minha mãe. Qual teria sido os problemas de minha mãe?

    Beijo grande no seu coração.

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    1. Querida amiga, deixo aqui pra você ler numa horinha de folga... (MEDO DE DENTISTA).

      http://taisluso.blogspot.com.br/2011/08/medo-de-dentista.html

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    2. Querida Taís,

      Você me comoveu com este belíssimo, generoso e
      sábio comentário. Você deve avaliar o quanto é
      valoroso para quem escreve ser compreendido.
      Você, como grande cronista que é, é precioso
      para mim esta sua leitura, querida Amiga!
      Beijo grande no seu belo coração!

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    3. Irei com calma ler esta sua crônica e comentar
      no seu espaço de arte, minha querida.

      Mais uma vez, muito obrigada pela sua visita
      aqui, foi muito especial para mim, viu?...rss

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  6. Desencontros e encontros, polvilhados de ternura...
    Gostei desse abrir de alma, Suzete.

    Um beijinho :)

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  7. Desencontros e encontros, polvilhados de ternura...
    Gostei desse abrir de alma, Suzete.

    Um beijinho :)

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  8. Suzete , sua delicada descrição das visitas aos dentistas me deixou encantada . Somos aquarianas mas não tenho sua coragem , rs,rs,
    Desde menina , morro de medo de ir a uma consulta dentária . Me emocionei com as declarações de sua mãe e com sua confissão de amor . Obrigada pela partilha . Beijos , amiga .

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  9. Emocionei-me na parte final da narrativa. Como entendo o que a tua mãe te disse!
    Quanto à narrativa: acho que já te disse que a tua avó possuía um dom natural, talvez pela sua sensibilidade. Além disso era também pedagoga, na forma como te levava à descoberta... Felizmente que encontraste outra grande pedagoga para perder esse medo. Eu só consegui enfrentar o dentista já bem adulta, pois os dentista de cá eram mesmo uns carniceiros. Já o meu filho, com 36 anos, vai naturalmente aos dentista desde os 5 anos.
    Parabéns, Suzete, por mais um belo e ternurento relato.
    Bjo :)

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  10. Estou de regresso.
    Li há um tempo e pelo que vejo não comentei.
    Achei adoravelmente terno, este recordar.

    Bj.

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