Paisagem pelo telefone
Sempre que no telefone
me falavas, eu diria
que falavas de uma sala
toda de luz invadida,
sala que pelas janelas,
duzentas, se oferecia
a alguma manhã de praia,
mais manhã porque marinha,
a alguma manhã de praia
no prumo do meio-dia,
meio-dia mineral
de uma praia nordestina,
Nordeste de Pernambuco,
onde as manhãs são mais limpas,
Pernambuco do Recife,
de Piedade, de Olinda,
sempre povoado de velas,
brancas, ao sol estendidas,
de jangadas, que são velas
mais brancas porque salinas,
que, como muros caiados
possuem luz intestina,
pois não é o sol quem as veste
e tampouco as ilumina,
mais bem, somente as desveste
de toda sombra ou neblina,
deixando que livres brilhem
os cristais que dentro tinham.
Pois, assim, no telefone
tua voz me parecia
como se de tal manhã
estivesses envolvida,
fresca e clara, como se
telefonasses despida,
ou, se vestida, somente
de roupa de banho, mínima,
e que por mínima, pouco
de tua luz própria tira,
e até mais, quando falavas
no telefone, eu diria
que estavas de todo nua,
só de teu banho vestida,
que é quando tu estás mais clara
pois a água nada embacia,
sim, como o sol sobre a cal
seis estrofes mais acima,
a água clara não te acende:
libera a luz que já tinhas.
Autor: João Cabral de Melo Neto.
João Cabral de Melo Neto: (Recife, 9 de janeiro de 1920 - Rio de Janeiro, 9
de outubro de 1999). Além de grande poeta, foi um diplomata brasileiro.
Pertenceu a geração de 45, terceira geração do modernismo.
Ao longo da sua trajetória de poeta escritor foi merecidamente agraciado com
diversos prêmios e honras literárias.
Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Pernambucana
de letras. A sua poesia tinha como estrutura linguística, estética e formal na
base racional e num trabalho constante de aperfeiçoamento. O poeta era
avesso ao sentimentalismo e a inspiração. Neste aspecto da inspiração eu
discordo, para mim, a poesia inspirada tem um encantamento único.
um poema que eu não conhecia e acho encantador.
ResponderExcluiro poeta de "vida e morte Severina"
não me parece falho de emoções sentimentos. Bem pelo contrário.
Conheci um poeta, já falecido, com bons poemas cantados pela Amália Rodrigues, que um dia me disse:
"Faço um poema com meia dúzia de palavras, jogando com elas".
Fiquei um pouco chocado, mas ele não estava a ser sincero.
Pode- se realmente começar um poema, na base do que se sente, e levar um caminho de todo inesperado. Mas isso é emoção.
Um abraço.
Amigo Luís,
ExcluirConcordo com você. A emoção dita numa grande
poesia é uma das mais bela artes. Por isso, eu
valorizo a inspiração. Porém, este Grande poeta,
O João Cabral, não. Este poema dele em particular
eu aprecio muito, vai além da excelência, um sentir
numa singularidade muito bela do dizer (expressão poética...). Mesmo que o poeta detestava, dito por
ele mesmo, se alguém percebesse sentires na poesia dele...
Aqui a minha escolha é dos poemas e independentemente
dos poetas, tenho poucos poetas que eu aprecio quase tudo
que escreveu e outros aprecio os grandes poemas
escritos.
Muito grata pela sua atenção aqui no meu espaço,
Poeta Luís.
Grande Abraço.
* e as praias nordestinas são maravilhosas, em especial nas ilhas frente à Salvador da Bahia.
ResponderExcluirO que não admira na inspiração do poeta.
Amigo Luís,
ExcluirO Poeta João Cabral é da minha terrinha Recife,
Pernambuco e as nossas praias são muito belas
igualmente a Bahia, Salvador e Recife são cidades
irmãs de cultura, arte e lazer (praias belas...).
Mais uma vez, grata pela sua valorosa presença
amiga de partilha poética.
Olá, Suzete, também gosto muito de João Cabral, que sensibilidade! Ele mesmo dizia que não existia uma receita de bolo para escrever poesia; a poesia não é uma coisa; a poesia é uma porção de coisas.
ResponderExcluirEsse poema (adoro), Paisagem pelo telefone é maravilhoso. Juntou vários ingredientes e deu essa lindeza!
Um beijo, querida amiga.
faltou só dizer que gostei...e muito.
ResponderExcluira trilha musical foi muito bem escolhida.
Um abraço, Amiga e uma semana feliz.
Bela escolha de grande sensibilidade!
ResponderExcluirObrigada
bjs
Que poema!
ResponderExcluirGostei muito.
beijinho
:)
Um poema, um telefonema feito mulher.
ResponderExcluirPara mim, com os sentidos bem aguçados na paisagem nordestina.
Grata pela belíssima partilha, minha amiga.
Beijinho
Magnífico poema com um rendilhado de encantos de mar, de água e de amar.
ResponderExcluirNão conhecia o autor.
Bj, Suzete.
Querida Suzete,
ResponderExcluirMais um poeta que desconhecia e que através deste poema tão original e inspirado despertou a minha curiosidade em saber algo mais sobre o poeta J0ão Cabral a sua poesia.
Quanto ao vídeo de HEITOR VILLA LOBOS, O Trenzinho do Caipira, é sempre um prazer rever e ouvir.
Um beijinho
Um poema e autor que desconhecia... e que me deu a conhecer uma impressionante paisagem, num belíssimo fluir de palavras!...
ResponderExcluirA escolha musical, não poderia ser mais acertada!
Uma deliciosa partilha, Suzete!
Beijinhos
Ana