Estava eu na sala de espera da minha odontóloga aguardando
a minha vez, uma espera sem ansiedade. Deixo as horas descansando, enquanto
fico com os olhos viajando por mais um livro de Clarice Lispector; uma coleção
de contos curtos a me dar sabor diferenciado dos demais, que esperam com um
barulho de conversas, mastigando a seco aquelas horas lentas, rotineiras com
destino a ficar sentados com a boca aberta na cadeira da dentista.
Somente me desligo dessa viagem das letras, um pouco antes de
ser a próxima no trono da dentista. Quando lá chego, uso o meu recurso de
meditação para relaxar na adversidade extrema. Afinal, com a boca aberta,
ficamos totalmente disponíveis, e numa concordância exemplar. Confesso que não
tenho nenhuma predisposição para a passividade, neste momento me restando encontrar em mim a pacificação meditativa. Sempre faço uma checagem no meu
corpo, corrigindo as tensões; se os meus pés estiverem esticados, relaxo; se
os braços estiverem segurando a cadeira, deixo-os caírem acompanhando o
relaxamento de todo corpo. Aquele sonzinho da broca nhen nhen nhen, transformo no som do mar (sempre será a
minha bela paisagem na cabeça) e fico boiando com o corpo relaxado... Procuro
boiar no mar calmo sem ondas, basta de agitação!...
Hoje teve uma novidade neste cenário de espera: um menininho
de três anos de idade, um viajante, um andarilho pelo corredor a examinar tudo
com muita sede de apreender o mundo à sua volta. Uma bolsa depositada numa
cadeira era um objeto de estudo muito interessante, primeiro a forma, depois a
cor e, por último, como uma caixa que pode ser aberta e com muitas outras coisas
novas. Afinal bolsa de mulher tem tudo dentro, se calhar, cabe até um gato no
seu mais respeitado sono... Ele era sempre interrompido pela jovem mãe, que
dizia: não, Bernardo!
Aquele pequeno aprendiz me envolveu de uma forma encantadora.
E começamos o nosso diálogo; primeiro com o olhar, depois uma troca de sorriso
e, finalmente, a escuta da minha voz pronunciando o seu nome. No momento em que
ele, disparado correndo na aventura de ser livre, a sua mãe gritava ordenando para voltar em sua direção. Quando pronunciei o seu nome, ele
parou, me olhou. Completei a frase: A mamãe está chamando e apontei na direção
dela. Ele balançou a cabeça e foi ser abraçado pela doçura da mãe. Em outro
momento se aproximou de mim, bem pertinho. Fiz carinho nos seus cabelos e
alguns instantes estabelecemos um reconhecimento de dois aprendizes da vida em
movimento... Eu disse para sua mãe que criança saudável tem curiosidade sobre a
vida, tudo é novidade que entra pelos olhos a serem tocados. Ela, com um
sorriso, concordou e agradeceu. Pensei em agradecer ao Bernardo por permitir a minha participação na celebração dele com a vida, mas me lembrei de que as palavras aqui são
desnecessárias.
Antes de entrar na sala da dentista, dei meu adeus e
beijinhos soprados, ao que ele correspondeu. Fui para o meu mar (imaginário) e
ele, com a vida inaugural...
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Chelin Sanjuar.
Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Chelin Sanjuar.
Adorei este teu momento vivido com o pequeno aprendiz Bernardo. As crianças são espontâneas e olham o mundo com este olhar de curiosidade que a tudo quer abarcar. Tenho certeza de que ele também há de se lembrar da "moça do consultório" que conversou com ele e jogou beijinhos.
ResponderExcluirTambém tenho o hábito de levar um livro para ler nos consultórios odontológicos, uma forma de colocar a leitura em dia e também para relaxar enquanto aguardo, mas ao ser atendida não há como meditar, pois minha dentista tem o hábito de conversar durante todo o atendimento, contando casos, e até fazendo indagações que, é claro, não dá para responder, pois estou de boca aberta e sem nenhuma condição até de raciocinar (risos), pois ao contrário de ti aquele barulhinho do motor me incomoda bastante.
A par da excelente narrativa fica a delicada e expressiva imagem que me fez sorrir e imaginar o Bernardo com essa carinha levada.
Grata pela partilha, minha linda!
Deixo-te rosas amarelas, sorrisos de anjos e estrelas mimosas, para te enfeitar neste final de semana,
Helena
Acho que a Clarice também gostou!
ResponderExcluirAbr.
Sua escrita é encantadora , Suzete . Espelha sua sensibilidade aguçada . Vou seguir seu exemplo na próxima visita ao dentista . Boiar no mar com o barulhinho do motor . Espero poder encontrar algum Bernardo , também , e mergulhar nesta viagem . Beijos
ResponderExcluirNa troca agraciamos e somos agraciados pela vida.
ResponderExcluirCadinho RoCo
um olhar bem poético sobre a "prosaica" realidade do consultório médico...
ResponderExcluir(mas seria expectável em quem, no som da broca, escuta o "marulhar" do mar...)
belíssima crónica.
Bonito esse olhar que vê poesia em tudo.
ResponderExcluirGostei muito, Suzete.
Beijinho.
Suzete , soube através de seu carinhoso comentário em meu blog que hoje é seu aniversário . Parabéns ! Muita saúde e alegria com as bençãos de Deus . Tenha um lindo dia ! Beijos
ResponderExcluirAproveitando o fato de sermos aquarianas , deixo um poema de Vinicius de Morais sobre a mulher e o signo . "Aquário - de 21 de janeiro a 19 de fevereiro - " Se o que se quer é boa esposa . A aquariana pousa . Se o que se quer é uma outra coisa . A aquariana ousa . Se o que se quer é muito amor . A aquariana é muito macho sim senhor . Porém não são possessivas , nem procuram dominar , ou são meigas e passivas ou botam para quebrar . " Não sei se você , Suzete , se enxerga como o poeta nos descreve . Eu , particularmente , discordo quanto à possessividade , rs, rs,
ResponderExcluirQuerida Marisa,
ExcluirMuito obrigada!!!
Você é uma gentileza (rara) de aquariana!...rss
Olha, o Poeta no seu histórico com mulheres, deve
ter conhecidos todas as mulheres de todos
os signos...rss
Quanto a possessividade, não sou possessiva, mas
sempre atenta e presente, sabe como é?...rss
Acho que as mulheres aquarianas têm um brilho
no olhar com impulso de voo!...rss
Beijos, querida amiga aquariana.
Boa tarde, Suzete. Que belo!
ResponderExcluir"Inaugurar a vida" independe de idade cronológica.
Muito interessante essa descoberta e interligação de vocês.
Enquanto a espera poderia ser tediosa, transformou-se em riquezas de ambos os lados.
Parabéns!
Beijos na alma e lindo feriado.
http://divasdapoesianaturalmente.blogspot.com.br/
ResponderExcluirhttp://redescobrindoaalma.blogspot.com.br/
Beijos na alma.
Sempre belas palavras Bjbj Lisette.
ResponderExcluirTemos aniversário!!!!! Que bom ter entrado aqui, neste momento, antes das badaladas da meia noite. Parabéns, querida Suzete!! Que lhe brilhe o novo ano, em todos os seus dias!
ResponderExcluirSua crônica, como tudo que escreve, mostra sensibilidade e uma prazerosa dança com as palavras. A forma que usa para relaxar, na cadeira da dentista, é bem interessante. Até o som do mar você leva para esse local que não é muito agradável (rss). Crianças nos atraem. Essa curiosidade e agitação delas sempre me diverte. As mães têm receio que incomodem os demais, mas nunca me importei com o jeitinho delas. O Bernardo levou seus beijinhos soprados e uma linda lembrança.
Felicidades!!!!! Bjs.
Querida Marilene,
ExcluirMuito obrigada!!
A sua gentileza rara mim emociona muito!...
Coincidência ou não em relação a signos, mas,
tenho uma sintonia com as pessoas do signo de
capricorniano, a inteligência, a sensibilidade,
senso de humor combina muito comigo, grandes
parcerias de amizade!...rss
Beijos, querida amiga capricorniana...rss
Da próxima vez que eu for ao dentista já sei como descontrair. Passar o "sonzinho da broca para o som do mar" deve ser mesmo relaxante...
ResponderExcluirGostei imenso do seu post, querida amiga, é magnífico.
Suzete, tenha um bom carnaval.
Beijo.
Uma narrativa muito bela. Dei comigo sentada na sala de espera a seu lado...
ResponderExcluirUm beijo.
A vida, nos seus passos inaugurais, desperta sempre o que de mais ingénuo e puro temos dentro de nós, qual regresso às origens.
ResponderExcluirSuzete, creio que, depois deste episódio, nem precisou das imagens do mar para relaxar na cadeira do dentista. :
Bela narrativa, amiga!
Uma boa semana :)
No meio de toda a tensão de uma ida ao dentista, o encanto do olhar que se desprende de Clarice Lispector (não foi fácil...) e se poisa em Bernardo, um menino na descoberta espontânea das coisas que o rodeiam e das pessoas com quem se cruza.
ResponderExcluirVai reter a jovem que falou com ele, e na volta ao consultório, perguntará à mãe por que não está ela lá.
Um episódio contado com muita poesia e carinho, numa escrita simples, de grande sensibilidade.
Um beijo,
No meio de toda a tensão de uma ida ao dentista, o encanto do olhar que se desprende de Clarice Lispector (não foi fácil...) e se poisa em Bernardo, um menino na descoberta espontânea das coisas que o rodeiam e das pessoas com quem se cruza.
ResponderExcluirVai reter a jovem que falou com ele, e na volta ao consultório, perguntará à mãe por que não está ela lá.
Um episódio contado com muita poesia e carinho, numa escrita simples, de grande sensibilidade.
Um beijo,
Deu bem para imaginar toda a situação, contada de forma tão simples e tão eloquentemente poética.
ResponderExcluirOs adultos que ainda sabem que nunca deixamos de ser aprendizes da vida são os que melhor compreendem as crianças na sua maravilhosa irrequietude devido à sua sede de contacto com a novidade que é a vida.
Muito belo, Suzete, e é verdade relaxar na cadeira do dentista é essencial! :-)
xx
Quando na casualidade dum encontro, assim, revivem-se momentos mágicos. O regresso, mesmo por instantes, à inocência inicial dos dias por desbravar.
ResponderExcluirSuzete,tão bem que colheste e aqui trouxeste a beleza da vida.
Saem destes teus olhares especiais belíssimas narrativas: primeiro, vivenciadas, depois passadas a escrito.
ResponderExcluirAcompanhei-te...
BJO, querida Suzete :)
Ah, parabéns! Ainda não tinha voltado ao teu espaço depois de 26 de janeiro, por isso não me apercebi.
ExcluirTudo de bom, amiga!
BJO :)
Essa sensibilidade toda, encanta-me profundamente!
ResponderExcluirA forma delicada com que as imagens vãos e formando em si, a reciprocidade das inocentes trocas, curiosas... Tão lindo!
Suzete, quanto mais te leio, mais encantada fico!
*Espero que hajam muitas "Suzetes" no caminho da minha filha.
Um forte abraço carinhoso e a gratidão pelo momento tão doce.
Uma linda noite pra si.